Camaradas, acessem através do link abaixo o programa da Chapa 2 - Unidade Estudantil Classista, para tomarem parte de nossas concepções a respeito de Movimento Estudantil, sua necessária vinculação às causas e movimentos do povo (trabalhadores do campo e da cidade) e um eixo programático para garantir que a Universidade seja de fato pública e não vendida aos interesses dos capitalistas.


- Programa de Luta da Chapa 2 -


segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Faces da Reforma Universitária: Reuni e Professor-Equivalente


REUNI, UNIVERSIDADE NOVA e PROFESSOR-EQUIVALENTE: Faces da Reforma Universitária (¹)




Análise de alguns dos dispositivos do Decreto n°6.096/07 (²)


O governo, por meio do Plano REUNI, pretende impor uma elevação da ordem de 100% no número de ingressantes, o que significa que o número de alunos em salas de aula dobrará, no mínimo, sem que haja ampliação da estrutura física e de recursos humanos, ratificando a lógica da expansão com precarização.

A possibilidade desse incremento no ingresso está fortemente acoplada à razão de 18 estudantes de graduação, em cursos presenciais por professor, colocada como uma das metas, logo no art. 1º (§ 1º). Historicamente, o número médio de estudantes de graduação por professor situa-se próximo a 9 em IFES e IEES. Nos últimos três anos, esse número já vem aumentando significativamente, sendo citado na última compilação de dados do INEP, correspondente ao ano de 2005, como sendo de 10,9.

É necessário não confundir a razão estudante/professor com o atendimento de estudan­tes pelos professores, ou seja, com o tamanho das classes de aula, que é muito maior em função de cada estudante cursar várias disciplinas simultaneamente por semestre. É necessário também considerar que o mesmo professor atende estudantes de pós-graduação – que NÃO entram na conta -, faz pesquisas, executa tarefas administrativas e supervisiona atividades de extensão.

Os valores da relação estudante/professor atualmente praticados no Brasil são muito próximos às razões que se verificam em vários outros países que têm organização acadêmica se­melhante à brasileira, como, por exemplo, os países nórdicos da Europa, a Alemanha e também o Japão.

A UNESCO publica, periodicamente, dados sobre essas razões (www.uis.unes­co.org/Exceltables, 2005, Tabela 5.c). Na avaliação de tais dados é, entretanto, necessá­rio exercer certa cautela. Por exemplo, há diferenciações importantes na classificação da figura do ‘professor’: nos Estados Unidos (razão próxima a 16) não são considerados na con­ta os TAs (Teaching Assistants), que são responsáveis por boa parte do contato com os es­tudantes, e na França (razão de 17,8), a pesquisa é majoritariamente deslocada para cen­tros de pesquisa (subordinados ao CNRS,ao INSERN, etc.) e não em universidades.

Além do dobro de ingressantes, o programa, ao estabelecer como outra meta, no mesmo art. 1º, a taxa de conclusão média dos cursos presenciais em 90%, pretende uma ampliação adi­cional no total de estudantes matriculados. Atualmente, essa taxa é de 60% nas IFES, segundo os últimos dados do Inep (2005 para concluintes e 2002 para ingressantes), valor também veiculado pela SESU/MEC. Destaque-se que, nos países componentes da OCDE, a taxa média de conclu­são é de 70%, situando-se abaixo desse valor em vários países, como, em ordem decrescente, Estados Unidos, Bélgica, França, Suécia e, finalmente, Itália, onde tal taxa está em 42% (dados da OCDE, Education at a Glance, 2005, Tabela A3.4).

Impor meta tão desproporcionalmente alta demonstra uma nítida intenção de forçar uma aprovação em massa, nos moldes da aprovação automática experimentada no ensino funda­mental. Note-se que, em conjunto com a meta que amplia o ingresso, a meta enfocada aqui iria resultar num aumento de quase 200% nas matrículas. Com quase nenhum financiamento adicio­nal, num passe de mágica malévola, seriam triplicados os estudantes das universidades federais e melhorados, em muito, os dados a serem fornecidos às estatísticas internacionais. As duas metas, citadas no art. 1º do Decreto nº 6.096/07, se revelam, deste modo, como metas pétreas do projeto governamental.

Para uma real ampliação do acesso nas dimensões propostas, mas com qualidade, faz-se necessário, além da renúncia a índices irreais, um rápido aumento no financiamento público para a educação, como um todo, até alcançar a ordem de 10% do PIB, conforme previsto no PNE da Sociedade Brasileira.

Na contramão dessa necessidade, o REUNI acena com um mero reordenamento de verbas e uma ampliação que não ultrapassa os 20% do que atualmente é destinado às IFES, condicionado, ainda, a adesão das universidades às suas metas e à mudança na estrutura curri­cular dos cursos de graduação e aos critérios de conferência de titulação conforme se depreende dos seus arts. 3°, 4° e 7°. Nestes está explícito que “o atendimento dos planos é condicionado à capacidade orçamentária e operacional” do MEC (§ 3°, art.3°), que o plano, por outro lado, “de­verá indicar a estratégia e as etapas” para alcançar as duas metas definidas (art. 4°), certamente para tornar-se periodicamente avaliável, e que “as despesas decorrentes deste decreto correrão à conta das dotações orçamentárias anualmente consignadas” ao MEC (art. 7°). Nesses anos todos, não se verificou um real incremento nas verbas para a educação.

Em resumo, pode ser dito que o governo anuncia um congelamento do financiamento das IFES no atual patamar, com um aceno à possível disputa por parcas verbas adicionais, altamente condicionadas à adesão (voluntária?) a um rígido controle externo.

A reestruturação, segundo o art. 2°, está condicionada às seguintes diretrizes: I) redução das taxas de evasão; II) ampliação da mobilidade estudantil; III) revisão da estrutura acadêmica, com atualização de metodologias de ensino-aprendizagem (leia-se ensino a distância?); IV) di­versificação das modalidades de graduação, preferencialmente não voltadas à profissionalização precoce e especializada; V) ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil; e VI) arti­culação entre os três níveis de ensino (básico, graduação e pós-graduação). Os incisos de I a IV deste artigo revelam que os pontos norteadores da Universidade Nova se mantêm presentes.

De fato, será praticamente impossível contemplar as metas pétreas que guiam a expan­são sem financiamento adicional correspondente que se pretende impor, sem uma reestruturação acadêmica importante, lançando mão, eventualmente, da redução da duração dos cursos de graduação para apenas 2400 horas, conforme permitido, recentemente, pelo Conselho Nacional de Educação. Confirmando a opção de ensino pobre para os pobres, há notícias de que algumas IFES, dentre elas a UFMG, pensam nessa opção, acoplando-a a cursos inovadores para seus campi mais distantes.

Muito embora no discurso propagandista do modelo Universidade Nova, modelo que pro­vavelmente orientará a reestruturação, defenda-se a idéia de um Ciclo Básico em que se busca a universalização do saber, na essência a mudança pretende oferecer um aligeiramento da for­mação, sem profissionalização. Trata-se, portanto, de um projeto que visa atender a uma forte demanda social por formação superior, sem a qualidade requerida para tal e, especialmente, com poucas possibilidades de inclusão dos jovens oriundos da classe trabalhadora na real profissiona­lização de nível universitário, uma vez que o acesso a esse nível apenas se dará mediante apro­vação em uma dupla seleção: uma para o acesso ao Bacharelado Interdisciplinar (BI), pretensa graduação correspondente ao Ciclo Básico, e outra para o ingresso no próximo ciclo.

Vale lembrar que o desenho que é apresentado, pretensamente pondo fim ao vestibular, é tomado por alguns como parte da nossa luta em defesa da ampliação do acesso, se fosse ple­namente articulado à ampliação das condições para este acesso. Entretanto, nem isso é fato: já que não haverá vagas para todos em todas as universidades federais, a seleção pelas notas no ENEM configura-se como mecanismo mais provável de ingresso.

As análises demonstram, pois, que qualquer tentativa de atingir as duas metas pétreas, que parecem constituir a coluna vertebral da proposta, sem recorrer a cursos aligeirados e docen­tes “polivalentes” dedicados quase exclusivamente ao ensino, mostrar-se-á inviável. Ademais, a formação universitária dessa proposta será, fundamentalmente, elitista, pois apenas uma minoria alcançará os demais ciclos necessários à completa formação profissional, tão almejada pelos nossos jovens.



A relação do Banco de Professores-equivalente com o REUNI


A Portaria Interministerial MEC/MPOG nº 22/07 é uma instrução normativa com base na qual deve-se dar a expansão da oferta de ensino superior prevista no REUNI.

Para alcançar sua meta global de “elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para 90% e da relação de alunos de graduação em cursos pre­senciais por professor para 18, ao final de 5 anos”, o decreto apresenta uma lógica produtivista e empresarial, cuja racionalidade se expressa, dentre outras, por meio das seguintes estratégias compensatórias dos limites impostos aos recursos financeiros:


  1. precarização do trabalho docente;
  2. precarização dos processos de formação;
  3. aumento das classes a serem atendidas por cada docente, quebra do tripé universitário a favor do ensino;
  4. exigência do cumprimento de metas propostas pelo REUNI, verificadas de perto e ami­úde por meio de parâmetros quantitativos, como condição para recebimento de recursos públicos; refere-se às instituições e, provavelmente, também aos próprios docentes.


Diante dos limites financeiros apontados, a Portaria Normativa Interministerial n°22/07 representa a primeira medida efetiva de implementação do decreto presidencial, constituindo, em cada universidade, um “instrumento de gestão administrativa de pessoal”: o banco de professo­res-equivalente (Art. 1o). Em síntese, o banco de professores-equivalente corresponde ao total de professores de 3º grau efetivos e substitutos em exercício na universidade, no dia 31/12/2006, expresso na “unidade professor-equivalente”.

Para chegar a essa unidade, o governo, tomando como referência a equivalência salarial entre um professor efetivo e um professor substituto (Lei nº 11.344, de 8/9/2006, que dispõe so­bre a reestruturação e a remuneração das carreiras de Magistério de Ensino Superior e outras), atribuiu um fator (peso) diferenciado a cada docente segundo sua condição de trabalho.

Na versão publicada da referida portaria, foi definido, como referência 1,0 de cálculo, o professor Adjunto I com 40 horas, ou seja, o professor Adjunto 40h-DE vale 1,55; o professor doutor 20 h vale 0,5; o professor doutor substituto 40 h vale 0,8 e o professor doutor substituto 20 horas vale 0,4.

Nessa lógica, um docente em dedicação exclusiva vale um pouco mais (1,55) que 3 pro­fessores efetivos em regime de 20 h (0,5) e um pouco menos do que 4 professores substitutos com 20 h (0,4).


Como origem para a aplicação desse fator, tem-se a seguinte equivalência salarial atual:
  • salário-base de um prof. Adjunto I-DE = R$ 1.209,45
  • salário-base de um prof. Efetivo(Dr.) 40h = R$ 780,29
  • salário-base de um prof. Efetivo(Dr.) 20h = R$ 390,15.


Acima desses valores, os docentes recebem uma série de gratificações, elevando os valores do salário bruto real, gratificações estas que NÃO são estendidas aos substitutos.

A necessidade do cumprimento das metas de expansão propostas no decreto e os limites orçamentários já explicitados, a dinâmica de contratação de professores nas universidades, pautan­do-se pelo ‘banco de professores-equivalentes’, e forçando um aumento de produtividade em detrimento da qualidade, vão, necessariamente, resultar na precarização das condições de trabalho.

Ao considerar que 4 professores substitutos em regime de 20 h, praticamente, equivalem a 1 professor 40 h DE, a universidade será induzida a preterir este em favor daqueles, dos quais obterá uma carga horária de ensino maior do que a de um único docente efetivo que também teria as atribuições de pesquisa e extensão, além das burocrático-administrativas.

Como a meta global do decreto é expansão do número de matrículas nos cursos de graduação, a contratação de professores substitutos para a função exclusiva de ensino, como já ocorre atualmente (em média, um professor substituto 20h ministra 3 disciplinas por semestre), seria a maneira mais “racional”, sem custos adicionais, de atender às demandas de crescimento do ensino superior, uma vez que 4 professores substitutos 20h (equivalentes a um professor ad­junto I-DE) atenderiam, em média, doze (12) turmas-disciplinas.

No que diz respeito às relações de trabalho no âmbito das universidades, a adoção da estra­tégia de contratação de substitutos, com base no banco de professores-equivalentes, vai aprofundar, além do processo de precarização, o fosso entre o trabalho realizado pelo professor efetivo, com de­dicação exclusiva, e o trabalho do professor substituto, cujo contrato de trabalho o limita a dar aulas.

Como possui vínculo transitório com a IFES, o professor substituto não pode assumir car­gos administrativos, desenvolver e/ou orientar pesquisas, submeter e coordenar projetos. Tudo isso leva a um comprometimento do trabalho institucional-acadêmico como um todo, pois um número cada vez menor de professores efetivos terá que acumular essas tarefas. Além disso, é o professor substituto que, a despeito de sua precarização salarial e de trabalho, deverá assumir a responsabilidade com sua aposentadoria, pois não fará parte do quadro dos inativos, “liberando” gastos e responsabilidades futuras, por parte do governo, no que diz respeito à previdência social.

Em vários eventos públicos, representantes do MEC, pressionados por argumentos que ressaltam a alta taxa de substitutos atualmente em atividade nas IFES (da ordem de 30% do total de docentes, em média) e pela constatação que praticamente todos eles foram contratados em substituição a professores em DE, andaram fazendo declarações, manifestando que a portaria sofreria uma revisão no sentido de proporcionar o índice 1,0 a qualquer professor substituto, inde­pendentemente de estar em regime de 20 ou de 40 horas. Afirmaram, ainda, que o ‘momento da fotografia’ de cada IFES, que define a quantidade total em seu “banco”, seria transferido para uma data posterior à definida na Resolução 22/07. Não se tem notícia, por enquanto, de ação efetiva a esse respeito, no âmbito da legislação. Tais alterações diminuiriam, mas não neutralizariam a influência deletéria da resolução a médio prazo.

Uma consideração a ser feita é que existem limites legais para a contratação de substi­tutos. A prevalecer o propósito do ‘banco’, o mecanismo mais provável de precarização, tanto do trabalho do professor quanto da atuação da instituição, será, portanto, a paulatina extinção do regime de dedicação exclusiva e, possivelmente, até da figura do professor efetivo, constituindo uma nova categoria de profissionais “flutuantes” que, limitados pelas relações de trabalho, não podem dar conta de todas as dimensões que o trabalho pedagógico e institucional-acadêmico exige. Tais providências se darão, quase naturalmente, naquelas IFES que, ao se sujeitarem às imposições do REUNI em troca de parcas verbas adicionais, se transformarem, de maneira irreversível, em universidades de ensino e, saliente-se, prestando ensino de baixa qualidade, devido à ausência da pesquisa e da extensão.

Conforme comentado anteriormente, o atendimento às metas do REUNI implicará a fle­xibilização dos processos de avaliação do ensino-aprendizagem e o desprezo pelas especifici­dades de determinadas áreas/disciplinas acadêmicas (ex.: saúde, música, artes, física etc). Todo esse processo resultará, necessária e diretamente, na precarização dos processos de formação, pois, ao exigir do professor o trabalho com um número de alunos por turma incompatível com um atendimento individualizado , além de flexibilizar os processos de avaliação, induzindo uma “pro­moção automática”, fará com que o resultado final do seu trabalho não será o da efetiva promoção do conhecimento e da formação integral do homem. Ao contrário, promoverá uma qualificação aligeirada, superficial, desvinculada da pesquisa, com perspectivas polivalentes, conformada às demandas de curto prazo do mercado.

A implementação desse processo resultará numa universidade desfigurada, descarac­terizada, transformada em ‘escola de 3º grau’, subtraída de suas funções sociais de produção e socialização do conhecimento científico, tecnológico e cultural.




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(¹) Este texto, produzido pelo ANDES-SN (Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior – Sindicato Nacional), é apenas parte de um caderno de estudos maior, elaborado em agosto de 2007, intitulado: “As novas faces da reforma universitária do governo Lula e os impactos do PDE sobre a educação superior”, disponível para visualização aqui:
http://www.andes.org.br/Caderno25.pdf

(²) Acesse o Decreto nº 6.096/07 aqui:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6096.htm